sábado, 21 de agosto de 2010

A Árvore Falante

Essa foi a primeira conversa que tivemos; aliás, muita coisa mudou em minha vida depois do meu encontro com Alice, três dias atrás. Enxerguei no meio do bosque uma fumaça. Andei em direção a ela, que se tornava cada vez mais espessa. Até que, finalmente, perto de uma árvore que parecia centenária, lá estava ele a fumar seu cachimbo.
“Estava à sua espera, menina”, foi a primeira coisa que ele disse. Depois começou a falar ininterruptamente, sem me dar a chance de responder.


Ouça-me com atenção. Há muito tempo atrás, havia uma menina. Loira, cabelos cacheados, vivia numa casa com um belo jardim, longe da cidade. Sua melhor amiga era uma jabuticabeira. Elas passavam horas e horas e horas conversando sobre todos os assuntos. Todo ano, a árvore se enchia de flores e depois de deliciosas jabuticabas. Durante essa época, as duas eram ainda mais inseparáveis.
Um dia, a menina e a árvore conversavam, enquanto sua irmã mais velha passava ali pelo jardim. Ela caçoou da caçula por estar falando com uma planta por dias a fio. A menina, então, pensou que a irmã tinha razão e teve medo de estar enlouquecendo. Depois de alguns dias, sentou-se ao pé da jabuticabeira e começou a chorar. Ficou ali por horas. A árvore nunca havia visto a menina naquele estado e tentou conversar com ela. Mal sabia que essa seria a última conversa que teriam.

“Por que você está tão triste, menina?”
“Minha irmã me disse que árvores não falam.”
“E o que você acha disso?”
“Eu acho que ela tem razão. Pessoas normais não falam com árvores, e eu quero ser normal.”

O desejo da menina se realizou. A partir desse momento, a árvore fechou os olhos e não falou nunca mais. Nos anos seguintes, passou a dar cada vez menos flores e frutas. Até que um dia parou. Ficou doente, seca, e mal se podiam ver folhas verdes nela.
No começo a menina se sentiu mal, morria de vontade de sair no jardim e conversar com a árvore. Depois, foi esquecendo, até que isso se tornasse uma vaga memória, perdida em algum cantinho de sua mente. Conforme os anos se passaram, ela eventualmente tinha sonhos com uma árvore que falava, pedia ajuda a ela, mas nunca se lembrou do porquê. Os sonhos ficaram cada vez mais raros até que, um dia, cessaram completamente.
A última folha verde da árvore caiu no chão exatamente na mesma noite que a menina, agora uma linda mulher, teve o último sonho. A árvore havia gasto suas últimas forças, chamando sua amiga. Esforçou-se tanto que gastou inclusive as últimas energias que guardado para si. No outro dia, a mulher acordou triste sem saber a razão. Sentia que uma pequena chama dentro de si havia se apagado, para nunca mais voltar a acender. Sem jamais descobrir o motivo, sua vida normal tornou-se mais triste desse dia em diante.


Veja Florence, a vida é cheia de coisas mágicas. Tudo está ligado de uma maneira que sequer podemos imaginar. Na verdade, nascemos enxergando e entendendo todas essas coisas, e com o tempo, o véu se rompe. Passamos a ver cada vez menos, acreditar cada vez menos, até que um dia não nos resta absolutamente nada e a vida perde toda a mágica, torna-se amarga. Começamos por deixar de acreditar em árvores falantes. Depois, deixamos de acreditar em mágica. E assim se segue, com destino, Deus, amor... Mas tudo isso continua lá, apenas esperando ser redescoberto, por aqueles que acreditam e sabem onde procurar. Precisamos acreditar, em qualquer coisa, por menor que seja. Caso contrário, tornamo-nos incapazes, como árvore, de dar flores e frutos. Até que, por fim, secamos, gastando nossas últimas energias, sem jamais ter seguido em frente.

Calou-se, deu um trago em seu cachimbo e, imediatamente, foi envolvido pela fumaça. Desapareceu no meio dela, como mágica. Encontramo-nos várias vezes depois. Mas daquele dia em diante, toda vez que passava pelo bosque, parava para conversar com as árvores. Com o tempo, elas voltaram a me responder. Então surgiram as fadas, os duendes, os anjos, as ninfas... E eu nunca mais me senti sozinha.

domingo, 6 de junho de 2010

Estática

Foi numa noite estrelada que percebi. Estava encantada observando uma das inúmeras paisagens que se podia encontrar na área dos bosques. Era uma enorme planície, forrada de grama. Ao longe, apenas uma árvore, muito alta. Um tapete verde até onde a vista podia alcançar, iluminado apenas pela luz da lua. No começo, não pensei que esse dia pudesse chegar e, agora que chegou, não sei muito bem o que fazer. Deixe-me explicar o que aconteceu.

Enquanto estava deitada, comecei a repensar todo o meu passado. Tudo o que havia vivido antes de chegar aqui. Já não sabia mais se eu queria essas coisas de volta. Pensei na minha família, meus amigos. No último natal, quando eu ganhei a boneca que tanto amei, mas que já não carregava mais comigo. Lembrei-me das noites na casa das amigas, quando ficávamos acordadas conversando até tarde, escondidas, para evitar um sermão. Do dia seguinte, que mal conseguíamos ficar acordadas na escola. Da primeira vez que gostei de um menino. Das conversas de corredor com minha irmã. Da última vez que vi o rosto da minha mãe... memórias especiais, com certeza.

Talvez vocês me tomem como louca, mas já não sabia mais se queria voltar pra tudo aquilo; não sabia ao certo se queria vê-los novamente. Na verdade, não sabia mais se queria ver qualquer pessoa, mesmo as daqui. Senti que não fazia questão de mais nada, enquanto eu tivesse aquela paisagem para observar. Poderia ficar ali para sempre, se quisesse. De fato, permaneci naquele campo por mais três dias, completamente sozinha. Pela primeira vez, não gastei todas as minhas forças em procurar uma saída. Não passei horas treinando minha mente, com medo de perder a noção de quanto tempo estava aqui. Pela primeira vez, não senti aquela necessidade patológica de querer algo que não se tem. Não precisava, não queria nada, não queria ninguém. Nunca estive tão tranqüila antes. Mesmo enquanto estava perto da minha família e meus amigos, jamais me senti tão... feliz?

Se era felicidade, ou se eu estava apenas me enganando, eu não sei. Talvez eu tenha conseguido encontrar a paz que muitos passam a vida inteira procurando; talvez minhas opções tenham finalmente se esgotado. E, sinceramente, se é uma coisa ou outra, no momento não me interessa saber.




Tudo estava tão distante como um sonho, e talvez devesse continuar assim. Dessa forma, essas memórias permaneceriam especiais para sempre.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Felino.

Hahahahahaha...

Gato malhado, gato listrado, gato assustado, gato, gato, gato, peludo, pequeno, amarelo, laranja, mudo, gato, gato, gato... Some, aparece, gato ao lado, invisível, apenas sorriso, GATO!
Mais um gato aqui, um gato acolá... A risada em todo lugar. Miauuu...


hahahahaha...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Schrödinger

Vez por outra, enquanto caminhava pelas trilhas da floresta, acabava me perdendo. Era fácil se perder em meio a tantas trilhas. E, estranhamente, toda vez que estava perdida, após andar por alguns minutos, deparava-me com uma bifurcação. Parecia sempre a mesma bifurcação. O caminho da esquerda era escuro, a mata era fechada, o que me deixava assustada demais para andar por ali. Pegava, então, o da direita, iluminado, cheio de flores. Dias depois, quando não sabia onde estava, surgia a bifurcação novamente. E o que me deixava mais curiosa era que eu não me lembrava de estar vindo sempre do mesmo lugar. Semanas passaram, e o fato se repetiu mais algumas vezes. Na última delas, após passar o familiar corredor florido, pensei ter escutado vozes, vindas de dentro da floresta, fora das trilhas. Como não reconhecia nenhuma delas, decidi entrar na mata fechada e encontrá-las. Conforme o som tornava-se mais alto, minha vista tornava-se turva. Uma espécie de névoa começava a tomar conta do lugar. Prossegui então com mais cautela, para não esbarrar em alguma coisa e ser percebida. Quando vi a silhueta de uma menina, as vozes já estavam altas o suficiente para que eu tentasse descobrir alguma coisa. A menina não falou uma palavra desde que cheguei, e não conseguia ver com quem ela conversava. Mas não havia dúvidas: aquela névoa estranha originava-se exatamente daquele lugar.

"Você precisa deixar isso de lado. Ter memórias não é uma coisa ruim, podemos aprender muito com as experiências passadas. Entretanto, viver em função delas, minha cara, é a pior coisa que alguém pode fazer. Por mais que você não esteja feliz agora, voltar aqui é o tipo de opção que você não devia ter sequer considerado. Vivemos de acordo com as nossas escolhas. Ninguém pode mudar o passado. Por mais que este seja um lugar diferente dos outros, certas coisas não são possíveis nem aqui, Alice. Se ajuda, saiba que essa realidade não é única. Em algum outro lugar, outra Alice conseguiu ter sucesso no que você falhou, bem como falhou onde você teve sucesso. Você já tomou todas as decisões certas e erradas que eram possíveis. Qualquer coisa que você um dia já quis, você já teve. Só que não foi aqui; não nesse tempo, não nesse espaço. E isso não quer dizer que aquela Alice está mais feliz que você. De uma vez por todas, você precisa largar mão de tudo o que não tem mais utilidade. Precisa enterrar aquilo que não te deixa seguir em frente. Você sabe o que eu quero dizer. Alice, já faz oito anos. Você precisa sair daqui. Precisa sair daqui de uma vez e nunca mais voltar."

A menina ouviu em silêncio, permaneceu parada por um tempo, e depois correu por entre as árvores até sumir em meio a elas. Parecia estar chorando enquanto corria. Eu, por outro lado, não sabia mais o que fazer. Eram muitas perguntas na minha cabeça. Alice? Quem é ela? Havia uma maneira de sair? E eu? O que devia fazer? Fiquei paralisada e não pude segui-la. Em segundos, a névoa se dissipou. Corri até o lugar no qual eles conversavam. Nada. Ninguém. Contudo, apenas ouvir aquela conversa mudou algo em mim. Deixei a boneca surrada que carregava comigo há anos ao lado da maior árvore que consegui encontrar. No dia seguinte, deparei-me novamente com o caminho bifurcado. Por fim, percebi que, apesar do caminho à direita ser aparentemente mais fácil, ele oferecia um enorme risco: provavelmente iria manter-me presa, condenada a passar pelos mesmos lugares, até o fim dos tempos. Nada ali iria mudar. Assim como Alice, não seria capaz de seguir em frente, refém apenas da minha própria covardia. Então respirei fundo e caminhei resoluta pelo caminho da esquerda. Não posso dizer que era um lugar bonito. Não posso dizer que não senti medo. O que posso dizer é que aquele caminho levou-me a lugares que eu sequer poderia imaginar. E, coincidência ou não, nunca mais vi a bifurcação depois desse dia.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

18:00

"Seis horas. O tempo é uma coisa ingrata. Aposto que você já teve alguma vez a sensação de que ele se negava a passar. Por exemplo, quando você está naquele dia péssimo e queria apenas que a noite chegasse rápido para poder dormir e esperar o dia seguinte. Comigo, às vezes acontece... já são seis horas.

Seis da tarde. Um bom momento pra tomar um chá. Bebo sempre que possível. Com certeza, é minha bebida preferida, ainda mais no inverno. Falando nisso, já deveria estar escurecendo. Afinal de contas, são seis horas agora. Hoje mesmo, fui condenado. Como muitos outros, minha cabeça rolará em frente à rainha. A execução está marcada para as oito, a rainha tem pressa. Sentenciado à morte por ser acusado de fazer algo impossível. Mas, pelo menos, ainda são seis horas. Uma pena que essa seja a hora mais melancólica do dia. A tarde já se foi, mas a noite ainda não chegou. Parece que deus está sempre indeciso nesse horário. Acho que nunca havia visto essa xícara verde da Lebre antes. Às vezes, não entendo como ela pode tomar tanto chá assim. Mas é uma boa amiga. Sempre aqui, sentada à mesa comigo. Tomamos chá todo dia no mesmo horário: seis da tarde. Que, por sinal, é agora. O que você faria se tivesse apenas duas horas de vida? Já ouvi dois tipos de resposta. A maioria diz que rezaria com todas as forças para que o tempo não passasse ou, ao menos, que demorasse bastante. Outros defendem que, quanto maior a espera, maior a angústia. De qualquer maneira, o tempo é realmente uma coisa muito ingrata. Mas não devo preocupar-me, afinal... ainda são seis horas da tarde. E em ponto. Você sabe qual a semelhança entre um corvo e uma escrivaninha? Há tempos procuro por uma resposta, mas não consigo pensar em nada. Já nem lembro quando foi que essa pergunta me ocorreu pela primeira vez. Estamos esperando alguns convidados, perguntarei a eles assim que chegarem aqui. Por sinal, eles chegarão atrasados. Já são seis horas.

Eu não aguento mais isso. A única coisa que eu queria era que essas duas horas passassem de uma vez, mas a verdade é que elas nunca passam. Estou farto de ver todos fingindo à minha volta, agindo como se não tivessem suas próprias vidas. Será que eles realmente acreditam que eu penso que toda hora é hora do chá? Eles deveriam simplesmente me deixar por aqui, convivendo sozinho com a maior punição que alguém pode sofrer. Para sempre, as malditas seis horas da tarde. Ouço batidas na porta. Meus convidados devem ter chegado para tomar o chá inglês. A Lebre vai recepcioná-los. Ainda bem que tenho amigos, estaria realmente perdido sem eles. Enfim, direi a minha charada. Duvido que alguém vai saber a resposta. Vão ficar como loucos, pensando em uma! Ha! E chegaram bem em tempo! Exatamente às seis!"

Assim que acompanhei a Lebre até a mesa, o homem do chapéu estranho fez-me uma pergunta que me intriga até hoje:

'- Ei, menina! Você acha possível uma pessoa ter sido capaz de assassinar o tempo?'

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Debate

Acho que o vi sério...



Enquanto eu andava pela floresta, procurando por uma saída, ou algum lugar que eu talvez tenha deixado passar, aquela voz pegou-me de sobressalto novamente.

"Perdida ainda?" - em cima de uma árvore, aquele sorriso indecifrável materializou-se.

"E quem não está perdido nesse lugar, gato?" - respondi enquanto o resto do seu corpo aparecia lentamente.

"Eu não estou perdido." - disse o gato com um tom provocador, enquanto descia da árvore.

"É impossível estar aqui e não estar perdido."

"O que significa estar perdido pra você, menina? Posso supor que você me dirá algo semelhante a "não saber como atingir seus objetivos", ou mesmo "não saber quais eles são". Estou certo?"

"Acredito que sim."

"Pois então! Não estou procurando por nada, tampouco tenho objetivos. Logo, é impossível que eu esteja perdido." - disse o gato, sempre sorridente.

Impressionante como aquele sorriso, embora fosse sempre o mesmo, era capaz de ter tantos significados: ironia, sarcasmo, orgulho, perversão e, em raras ocasiões, contentamento.

"Você está me dizendo que não tem nenhum objetivo? Nem mesmo sair daqui?" - perguntei, deixando transparecer uma certa indignação.

"E por que você acha que eu gostaria de sair daqui?" - todo o corpo do gato havia desaparecido, exceto a cabeça e o sorriso. A impressão que eu tenho é que ele gostava de fazer isso, apenas para deixar desconfortável a pessoa com a qual dialogava.

"Porque este lugar é terrível. Eu odeio estar aqui. Creio que você também deve sentir o mesmo."

"Se você parar pra pensar, este é um ótimo lugar para se estar. Você só o odeia porque foi forçada a estar aqui. Caso contrário, estaria satisfeita, brincando por aí."

"Mas... minhas memórias, minha família, meus amigos... eu quero tudo isso de volta."

"Ha ha ha! Quanto tempo já faz? Dois anos? Você realmente acredita que ainda tem alguém esperando por você?" - disse o gato, enquanto ronronava, sentindo que havia dado o xeque-mate.

"Isso foi desnecessário, gato. E você só diz uma coisa dessas porque tem a companhia dos seus aqui mesmo. Eu não pertenço a esse lugar."

"Creio que você está enganada duplamente, criança. Pra começar, talvez você pertença a este mundo. E, além disso, eu não me importo com ninguém que está aqui." - o gato respondeu, um pouco decepcionado por ainda não ter vencido a discussão.

"E por que não?" - perguntei sem saber se gostaria de ouvir a resposta.

"Porque são todos insanos. Ninguém sabe do que está falando. E isso inclui a mim e a você."

"Eu discordo. Acho que você é o único neste lugar que sabe exatamente o que está falando. E também acho que, de alguma forma, você está ligado a todas as bizarrices que eu vejo acontecer por aqui."

E foi ali que aconteceu, por um milionésimo de segundo. Pode ser coisa da minha cabeça, mas eu acredito que realmente vi. O sorriso do gato desapareceu. Por um instante mínimo, acho que o vi sério... Mas logo depois, como de costume, o velho sorriso voltou. Depois de uma pausa, o gato resolveu encerrar a conversa.

"E eu acho que você não sabe absolutamente nada sobre as coisas que você vê acontecer por aqui." - disse, subiu de volta na árvore, e desapareceu completamente num segundo.

"Acho que concordamos pela primeira vez hoje, gato. De fato eu não tenho nem ideia." - disse para o nada e voltei a caminhar pela floresta.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Copas

Escolhas, escolhas e mais escolhas. Todos dizem: "Faça o que é melhor para você. Faça o que te faz sorrir.” Seria fácil, se soubesse o que me completa. O que desejei ontem, hoje já não me satisfaz. Enquanto colocavam-me a coroa na cabeça pela primeira vez, disseram-me: "Agora sorria, você conseguiu." Apenas sacudi a cabeça e disse com a voz entrecortada pelo choro:
"Eu deveria estar feliz?”.

Talvez a felicidade esteja dentro de mim, como alguns insistem em acreditar. Mas, mesmo que isso seja verdade, não é suficiente para me fazer girar com os braços abertos em uma música, apenas contemplando uma alegria. Não deixo de querer sempre mais, querer que façam tudo conforme desejo e, quando isso não acontece, decepciono-me, culpo-os e quero suas cabeças em bandejas.

O tempo passa e nada muda. Sempre insatisfeita, sempre buscando o que não posso ter; e a angústia que isso me causa torna-se a cada segundo mais insuportável. Detestáveis escolhas.
Quando tenho rosas brancas quero pintá-las de vermelho, quero transformar tudo ao meu redor de acordo com minhas majestosas vontades... Ha ha ha ha ha. Este jogo é minha vida, e não posso pará-lo até sentir-me, pelo menos uma vez, verdadeiramente satisfeita.

“Cortem-lhe a cabeça!”

E assim vejo minhas rosas brancas serem tingidas de vermelho, sem pressa, numa calma fluída, visceral, viva. Finalmente chega o momento em que posso dizer que venci. Meu reflexo no espelho esboça um sorriso que já conheço: irônico, cortante. Um sorriso que só aqueles que já sucumbiram ao poder podem identificar. Aquela cabeça não é suficiente.
Nenhuma jamais será. Contudo, as cartas estão em minhas mãos e eu jogo como quero. Insatisfeita sempre, entediada nunca.

“Tragam o próximo.”

Nunca deixo de me impressionar com as turbulências que o poder pode causar em uma vida. Tanto na minha, quanto naquela que se esvai conforme a lâmina a atravessa.



* Este texto foi escrito em conjunto com Nemesis.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Ecos

Hoje, logo depois que o sol nasceu, tive a impressão de ter ouvido um ruído que não parecia pertencer a este lugar. Pensei ter ouvido o barulho de um caminhão passando, um vago reflexo em minha mente de sons e coisas que talvez jamais verei novamente. Ao menos ainda conservo as memórias. Dos caminhões carregados de botões de rosa que passavam por onde eu morava. De como minhas amigas e eu adorávamos correr atrás deles nos dias de chuva, esperando que, eventualmente, um botão de rosa caísse no chão. Não acontecia sempre, mas ganhávamos o dia toda vez que conseguíamos pegar os botões de rosa no chão úmido.

O tempo foi modificando cada um de nós, das suaves fragrâncias que estes caminhões deixavam por onde quer que percorressem, apenas o deleite de uma lembrança. Aquelas amigas seguiram por caminhos diferentes, há muito não as vejo, não me recordo do nome da menina do vestido verde, mas, o som de nossas risadas satisfeitas com aqueles pequeninos botões são como breves sinos em um despertar de longos pesadelos.
Entrego-me a este mergulho no passado, buscando pérolas que me façam sorrir. As cantigas tocadas e melodias entonadas permitem-me grandes devaneios onde sou o herói de minhas histórias, brindando a linda garota de olhos cor de avelã com uma daquelas rosas, as vezes despedaçadas. Cada devaneio uma rosa diferente, um cheiro e sensação nunca experimentada.

Tenho medo de perder as memórias, esquecer o que são caminhões, botões de rosa, a chuva regando os sorrisos... Por isso, às vezes passo horas apenas lembrando. De tudo o que aconteceu antes de eu vir parar aqui. Com o maior número de detalhes possível. A cada dia, é uma tarefa mais difícil, mas não posso deixá-las. Elas são tudo o que me restou.

Por mais que seja impossível, eu tenho certeza: era um caminhão. Um caminhão enorme carregado com centenas de botões de rosa.


* Este texto foi escrito em conjunto com Nájyla.

Wonderland

O que é o país das maravilhas? O que é estar entre as maravilhas? Criar um mundo onde tudo tem vida tem algum significado diferente ou único, sons, sabores, coelhos malucos e cartas falantes? Um lugar mágico onde a princípio refugiava-me e hoje me sinto ablegada a este mundo colateral que transgride quaisquer regras.

Há diferença entre estar preso entre as maravilhas por um tempo e estar nelas por muito tempo. Vou explicar:

“Sempre existe tendência em acostumar-se com as coisas. Depois de um tempo, quando o esquisito torna-se normal, quando os olhos brilham menos, o chá está frio e os cogumelos não fazem mais efeito, quando o bizarro lentamente transforma-se em assustador, o que alguém pode fazer?

Trancar-se em sua mente, um lugar dentro do qual se é onipotente e, portanto, pode-se criar imagens, ver fantasmas, confirmar boatos... Como num estado de letargia, uma dormência confortável, na qual a mente, sem pressa, vai substituindo o apavorante em exótico, o normal em engraçado, a ilusão em matéria. E isso é perigoso. É por isso que preciso sair daqui, por vezes fico incapaz de identificar o que é real, e cada vez menos tenho força de vontade para escapar, cada vez mais conformo-me em viver em meio às ilusões.

Eu já sei. Vou colocar todo esse lugar em chamas. Assim, ou eu me livro de uma vez deste mundo ou ele livra-se de mim. Não importa. A única coisa que sei é que não podemos mais coexistir.

Wake Up Alice, Wake Up Now!



* Este texto foi escrito em conjunto com Nemesis.