quinta-feira, 22 de abril de 2010

18:00

"Seis horas. O tempo é uma coisa ingrata. Aposto que você já teve alguma vez a sensação de que ele se negava a passar. Por exemplo, quando você está naquele dia péssimo e queria apenas que a noite chegasse rápido para poder dormir e esperar o dia seguinte. Comigo, às vezes acontece... já são seis horas.

Seis da tarde. Um bom momento pra tomar um chá. Bebo sempre que possível. Com certeza, é minha bebida preferida, ainda mais no inverno. Falando nisso, já deveria estar escurecendo. Afinal de contas, são seis horas agora. Hoje mesmo, fui condenado. Como muitos outros, minha cabeça rolará em frente à rainha. A execução está marcada para as oito, a rainha tem pressa. Sentenciado à morte por ser acusado de fazer algo impossível. Mas, pelo menos, ainda são seis horas. Uma pena que essa seja a hora mais melancólica do dia. A tarde já se foi, mas a noite ainda não chegou. Parece que deus está sempre indeciso nesse horário. Acho que nunca havia visto essa xícara verde da Lebre antes. Às vezes, não entendo como ela pode tomar tanto chá assim. Mas é uma boa amiga. Sempre aqui, sentada à mesa comigo. Tomamos chá todo dia no mesmo horário: seis da tarde. Que, por sinal, é agora. O que você faria se tivesse apenas duas horas de vida? Já ouvi dois tipos de resposta. A maioria diz que rezaria com todas as forças para que o tempo não passasse ou, ao menos, que demorasse bastante. Outros defendem que, quanto maior a espera, maior a angústia. De qualquer maneira, o tempo é realmente uma coisa muito ingrata. Mas não devo preocupar-me, afinal... ainda são seis horas da tarde. E em ponto. Você sabe qual a semelhança entre um corvo e uma escrivaninha? Há tempos procuro por uma resposta, mas não consigo pensar em nada. Já nem lembro quando foi que essa pergunta me ocorreu pela primeira vez. Estamos esperando alguns convidados, perguntarei a eles assim que chegarem aqui. Por sinal, eles chegarão atrasados. Já são seis horas.

Eu não aguento mais isso. A única coisa que eu queria era que essas duas horas passassem de uma vez, mas a verdade é que elas nunca passam. Estou farto de ver todos fingindo à minha volta, agindo como se não tivessem suas próprias vidas. Será que eles realmente acreditam que eu penso que toda hora é hora do chá? Eles deveriam simplesmente me deixar por aqui, convivendo sozinho com a maior punição que alguém pode sofrer. Para sempre, as malditas seis horas da tarde. Ouço batidas na porta. Meus convidados devem ter chegado para tomar o chá inglês. A Lebre vai recepcioná-los. Ainda bem que tenho amigos, estaria realmente perdido sem eles. Enfim, direi a minha charada. Duvido que alguém vai saber a resposta. Vão ficar como loucos, pensando em uma! Ha! E chegaram bem em tempo! Exatamente às seis!"

Assim que acompanhei a Lebre até a mesa, o homem do chapéu estranho fez-me uma pergunta que me intriga até hoje:

'- Ei, menina! Você acha possível uma pessoa ter sido capaz de assassinar o tempo?'

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Debate

Acho que o vi sério...



Enquanto eu andava pela floresta, procurando por uma saída, ou algum lugar que eu talvez tenha deixado passar, aquela voz pegou-me de sobressalto novamente.

"Perdida ainda?" - em cima de uma árvore, aquele sorriso indecifrável materializou-se.

"E quem não está perdido nesse lugar, gato?" - respondi enquanto o resto do seu corpo aparecia lentamente.

"Eu não estou perdido." - disse o gato com um tom provocador, enquanto descia da árvore.

"É impossível estar aqui e não estar perdido."

"O que significa estar perdido pra você, menina? Posso supor que você me dirá algo semelhante a "não saber como atingir seus objetivos", ou mesmo "não saber quais eles são". Estou certo?"

"Acredito que sim."

"Pois então! Não estou procurando por nada, tampouco tenho objetivos. Logo, é impossível que eu esteja perdido." - disse o gato, sempre sorridente.

Impressionante como aquele sorriso, embora fosse sempre o mesmo, era capaz de ter tantos significados: ironia, sarcasmo, orgulho, perversão e, em raras ocasiões, contentamento.

"Você está me dizendo que não tem nenhum objetivo? Nem mesmo sair daqui?" - perguntei, deixando transparecer uma certa indignação.

"E por que você acha que eu gostaria de sair daqui?" - todo o corpo do gato havia desaparecido, exceto a cabeça e o sorriso. A impressão que eu tenho é que ele gostava de fazer isso, apenas para deixar desconfortável a pessoa com a qual dialogava.

"Porque este lugar é terrível. Eu odeio estar aqui. Creio que você também deve sentir o mesmo."

"Se você parar pra pensar, este é um ótimo lugar para se estar. Você só o odeia porque foi forçada a estar aqui. Caso contrário, estaria satisfeita, brincando por aí."

"Mas... minhas memórias, minha família, meus amigos... eu quero tudo isso de volta."

"Ha ha ha! Quanto tempo já faz? Dois anos? Você realmente acredita que ainda tem alguém esperando por você?" - disse o gato, enquanto ronronava, sentindo que havia dado o xeque-mate.

"Isso foi desnecessário, gato. E você só diz uma coisa dessas porque tem a companhia dos seus aqui mesmo. Eu não pertenço a esse lugar."

"Creio que você está enganada duplamente, criança. Pra começar, talvez você pertença a este mundo. E, além disso, eu não me importo com ninguém que está aqui." - o gato respondeu, um pouco decepcionado por ainda não ter vencido a discussão.

"E por que não?" - perguntei sem saber se gostaria de ouvir a resposta.

"Porque são todos insanos. Ninguém sabe do que está falando. E isso inclui a mim e a você."

"Eu discordo. Acho que você é o único neste lugar que sabe exatamente o que está falando. E também acho que, de alguma forma, você está ligado a todas as bizarrices que eu vejo acontecer por aqui."

E foi ali que aconteceu, por um milionésimo de segundo. Pode ser coisa da minha cabeça, mas eu acredito que realmente vi. O sorriso do gato desapareceu. Por um instante mínimo, acho que o vi sério... Mas logo depois, como de costume, o velho sorriso voltou. Depois de uma pausa, o gato resolveu encerrar a conversa.

"E eu acho que você não sabe absolutamente nada sobre as coisas que você vê acontecer por aqui." - disse, subiu de volta na árvore, e desapareceu completamente num segundo.

"Acho que concordamos pela primeira vez hoje, gato. De fato eu não tenho nem ideia." - disse para o nada e voltei a caminhar pela floresta.