segunda-feira, 17 de maio de 2010

Schrödinger

Vez por outra, enquanto caminhava pelas trilhas da floresta, acabava me perdendo. Era fácil se perder em meio a tantas trilhas. E, estranhamente, toda vez que estava perdida, após andar por alguns minutos, deparava-me com uma bifurcação. Parecia sempre a mesma bifurcação. O caminho da esquerda era escuro, a mata era fechada, o que me deixava assustada demais para andar por ali. Pegava, então, o da direita, iluminado, cheio de flores. Dias depois, quando não sabia onde estava, surgia a bifurcação novamente. E o que me deixava mais curiosa era que eu não me lembrava de estar vindo sempre do mesmo lugar. Semanas passaram, e o fato se repetiu mais algumas vezes. Na última delas, após passar o familiar corredor florido, pensei ter escutado vozes, vindas de dentro da floresta, fora das trilhas. Como não reconhecia nenhuma delas, decidi entrar na mata fechada e encontrá-las. Conforme o som tornava-se mais alto, minha vista tornava-se turva. Uma espécie de névoa começava a tomar conta do lugar. Prossegui então com mais cautela, para não esbarrar em alguma coisa e ser percebida. Quando vi a silhueta de uma menina, as vozes já estavam altas o suficiente para que eu tentasse descobrir alguma coisa. A menina não falou uma palavra desde que cheguei, e não conseguia ver com quem ela conversava. Mas não havia dúvidas: aquela névoa estranha originava-se exatamente daquele lugar.

"Você precisa deixar isso de lado. Ter memórias não é uma coisa ruim, podemos aprender muito com as experiências passadas. Entretanto, viver em função delas, minha cara, é a pior coisa que alguém pode fazer. Por mais que você não esteja feliz agora, voltar aqui é o tipo de opção que você não devia ter sequer considerado. Vivemos de acordo com as nossas escolhas. Ninguém pode mudar o passado. Por mais que este seja um lugar diferente dos outros, certas coisas não são possíveis nem aqui, Alice. Se ajuda, saiba que essa realidade não é única. Em algum outro lugar, outra Alice conseguiu ter sucesso no que você falhou, bem como falhou onde você teve sucesso. Você já tomou todas as decisões certas e erradas que eram possíveis. Qualquer coisa que você um dia já quis, você já teve. Só que não foi aqui; não nesse tempo, não nesse espaço. E isso não quer dizer que aquela Alice está mais feliz que você. De uma vez por todas, você precisa largar mão de tudo o que não tem mais utilidade. Precisa enterrar aquilo que não te deixa seguir em frente. Você sabe o que eu quero dizer. Alice, já faz oito anos. Você precisa sair daqui. Precisa sair daqui de uma vez e nunca mais voltar."

A menina ouviu em silêncio, permaneceu parada por um tempo, e depois correu por entre as árvores até sumir em meio a elas. Parecia estar chorando enquanto corria. Eu, por outro lado, não sabia mais o que fazer. Eram muitas perguntas na minha cabeça. Alice? Quem é ela? Havia uma maneira de sair? E eu? O que devia fazer? Fiquei paralisada e não pude segui-la. Em segundos, a névoa se dissipou. Corri até o lugar no qual eles conversavam. Nada. Ninguém. Contudo, apenas ouvir aquela conversa mudou algo em mim. Deixei a boneca surrada que carregava comigo há anos ao lado da maior árvore que consegui encontrar. No dia seguinte, deparei-me novamente com o caminho bifurcado. Por fim, percebi que, apesar do caminho à direita ser aparentemente mais fácil, ele oferecia um enorme risco: provavelmente iria manter-me presa, condenada a passar pelos mesmos lugares, até o fim dos tempos. Nada ali iria mudar. Assim como Alice, não seria capaz de seguir em frente, refém apenas da minha própria covardia. Então respirei fundo e caminhei resoluta pelo caminho da esquerda. Não posso dizer que era um lugar bonito. Não posso dizer que não senti medo. O que posso dizer é que aquele caminho levou-me a lugares que eu sequer poderia imaginar. E, coincidência ou não, nunca mais vi a bifurcação depois desse dia.