sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Copas

Escolhas, escolhas e mais escolhas. Todos dizem: "Faça o que é melhor para você. Faça o que te faz sorrir.” Seria fácil, se soubesse o que me completa. O que desejei ontem, hoje já não me satisfaz. Enquanto colocavam-me a coroa na cabeça pela primeira vez, disseram-me: "Agora sorria, você conseguiu." Apenas sacudi a cabeça e disse com a voz entrecortada pelo choro:
"Eu deveria estar feliz?”.

Talvez a felicidade esteja dentro de mim, como alguns insistem em acreditar. Mas, mesmo que isso seja verdade, não é suficiente para me fazer girar com os braços abertos em uma música, apenas contemplando uma alegria. Não deixo de querer sempre mais, querer que façam tudo conforme desejo e, quando isso não acontece, decepciono-me, culpo-os e quero suas cabeças em bandejas.

O tempo passa e nada muda. Sempre insatisfeita, sempre buscando o que não posso ter; e a angústia que isso me causa torna-se a cada segundo mais insuportável. Detestáveis escolhas.
Quando tenho rosas brancas quero pintá-las de vermelho, quero transformar tudo ao meu redor de acordo com minhas majestosas vontades... Ha ha ha ha ha. Este jogo é minha vida, e não posso pará-lo até sentir-me, pelo menos uma vez, verdadeiramente satisfeita.

“Cortem-lhe a cabeça!”

E assim vejo minhas rosas brancas serem tingidas de vermelho, sem pressa, numa calma fluída, visceral, viva. Finalmente chega o momento em que posso dizer que venci. Meu reflexo no espelho esboça um sorriso que já conheço: irônico, cortante. Um sorriso que só aqueles que já sucumbiram ao poder podem identificar. Aquela cabeça não é suficiente.
Nenhuma jamais será. Contudo, as cartas estão em minhas mãos e eu jogo como quero. Insatisfeita sempre, entediada nunca.

“Tragam o próximo.”

Nunca deixo de me impressionar com as turbulências que o poder pode causar em uma vida. Tanto na minha, quanto naquela que se esvai conforme a lâmina a atravessa.



* Este texto foi escrito em conjunto com Nemesis.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Ecos

Hoje, logo depois que o sol nasceu, tive a impressão de ter ouvido um ruído que não parecia pertencer a este lugar. Pensei ter ouvido o barulho de um caminhão passando, um vago reflexo em minha mente de sons e coisas que talvez jamais verei novamente. Ao menos ainda conservo as memórias. Dos caminhões carregados de botões de rosa que passavam por onde eu morava. De como minhas amigas e eu adorávamos correr atrás deles nos dias de chuva, esperando que, eventualmente, um botão de rosa caísse no chão. Não acontecia sempre, mas ganhávamos o dia toda vez que conseguíamos pegar os botões de rosa no chão úmido.

O tempo foi modificando cada um de nós, das suaves fragrâncias que estes caminhões deixavam por onde quer que percorressem, apenas o deleite de uma lembrança. Aquelas amigas seguiram por caminhos diferentes, há muito não as vejo, não me recordo do nome da menina do vestido verde, mas, o som de nossas risadas satisfeitas com aqueles pequeninos botões são como breves sinos em um despertar de longos pesadelos.
Entrego-me a este mergulho no passado, buscando pérolas que me façam sorrir. As cantigas tocadas e melodias entonadas permitem-me grandes devaneios onde sou o herói de minhas histórias, brindando a linda garota de olhos cor de avelã com uma daquelas rosas, as vezes despedaçadas. Cada devaneio uma rosa diferente, um cheiro e sensação nunca experimentada.

Tenho medo de perder as memórias, esquecer o que são caminhões, botões de rosa, a chuva regando os sorrisos... Por isso, às vezes passo horas apenas lembrando. De tudo o que aconteceu antes de eu vir parar aqui. Com o maior número de detalhes possível. A cada dia, é uma tarefa mais difícil, mas não posso deixá-las. Elas são tudo o que me restou.

Por mais que seja impossível, eu tenho certeza: era um caminhão. Um caminhão enorme carregado com centenas de botões de rosa.


* Este texto foi escrito em conjunto com Nájyla.

Wonderland

O que é o país das maravilhas? O que é estar entre as maravilhas? Criar um mundo onde tudo tem vida tem algum significado diferente ou único, sons, sabores, coelhos malucos e cartas falantes? Um lugar mágico onde a princípio refugiava-me e hoje me sinto ablegada a este mundo colateral que transgride quaisquer regras.

Há diferença entre estar preso entre as maravilhas por um tempo e estar nelas por muito tempo. Vou explicar:

“Sempre existe tendência em acostumar-se com as coisas. Depois de um tempo, quando o esquisito torna-se normal, quando os olhos brilham menos, o chá está frio e os cogumelos não fazem mais efeito, quando o bizarro lentamente transforma-se em assustador, o que alguém pode fazer?

Trancar-se em sua mente, um lugar dentro do qual se é onipotente e, portanto, pode-se criar imagens, ver fantasmas, confirmar boatos... Como num estado de letargia, uma dormência confortável, na qual a mente, sem pressa, vai substituindo o apavorante em exótico, o normal em engraçado, a ilusão em matéria. E isso é perigoso. É por isso que preciso sair daqui, por vezes fico incapaz de identificar o que é real, e cada vez menos tenho força de vontade para escapar, cada vez mais conformo-me em viver em meio às ilusões.

Eu já sei. Vou colocar todo esse lugar em chamas. Assim, ou eu me livro de uma vez deste mundo ou ele livra-se de mim. Não importa. A única coisa que sei é que não podemos mais coexistir.

Wake Up Alice, Wake Up Now!



* Este texto foi escrito em conjunto com Nemesis.