quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Ecos

Hoje, logo depois que o sol nasceu, tive a impressão de ter ouvido um ruído que não parecia pertencer a este lugar. Pensei ter ouvido o barulho de um caminhão passando, um vago reflexo em minha mente de sons e coisas que talvez jamais verei novamente. Ao menos ainda conservo as memórias. Dos caminhões carregados de botões de rosa que passavam por onde eu morava. De como minhas amigas e eu adorávamos correr atrás deles nos dias de chuva, esperando que, eventualmente, um botão de rosa caísse no chão. Não acontecia sempre, mas ganhávamos o dia toda vez que conseguíamos pegar os botões de rosa no chão úmido.

O tempo foi modificando cada um de nós, das suaves fragrâncias que estes caminhões deixavam por onde quer que percorressem, apenas o deleite de uma lembrança. Aquelas amigas seguiram por caminhos diferentes, há muito não as vejo, não me recordo do nome da menina do vestido verde, mas, o som de nossas risadas satisfeitas com aqueles pequeninos botões são como breves sinos em um despertar de longos pesadelos.
Entrego-me a este mergulho no passado, buscando pérolas que me façam sorrir. As cantigas tocadas e melodias entonadas permitem-me grandes devaneios onde sou o herói de minhas histórias, brindando a linda garota de olhos cor de avelã com uma daquelas rosas, as vezes despedaçadas. Cada devaneio uma rosa diferente, um cheiro e sensação nunca experimentada.

Tenho medo de perder as memórias, esquecer o que são caminhões, botões de rosa, a chuva regando os sorrisos... Por isso, às vezes passo horas apenas lembrando. De tudo o que aconteceu antes de eu vir parar aqui. Com o maior número de detalhes possível. A cada dia, é uma tarefa mais difícil, mas não posso deixá-las. Elas são tudo o que me restou.

Por mais que seja impossível, eu tenho certeza: era um caminhão. Um caminhão enorme carregado com centenas de botões de rosa.


* Este texto foi escrito em conjunto com Nájyla.

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