segunda-feira, 19 de abril de 2010

Debate

Acho que o vi sério...



Enquanto eu andava pela floresta, procurando por uma saída, ou algum lugar que eu talvez tenha deixado passar, aquela voz pegou-me de sobressalto novamente.

"Perdida ainda?" - em cima de uma árvore, aquele sorriso indecifrável materializou-se.

"E quem não está perdido nesse lugar, gato?" - respondi enquanto o resto do seu corpo aparecia lentamente.

"Eu não estou perdido." - disse o gato com um tom provocador, enquanto descia da árvore.

"É impossível estar aqui e não estar perdido."

"O que significa estar perdido pra você, menina? Posso supor que você me dirá algo semelhante a "não saber como atingir seus objetivos", ou mesmo "não saber quais eles são". Estou certo?"

"Acredito que sim."

"Pois então! Não estou procurando por nada, tampouco tenho objetivos. Logo, é impossível que eu esteja perdido." - disse o gato, sempre sorridente.

Impressionante como aquele sorriso, embora fosse sempre o mesmo, era capaz de ter tantos significados: ironia, sarcasmo, orgulho, perversão e, em raras ocasiões, contentamento.

"Você está me dizendo que não tem nenhum objetivo? Nem mesmo sair daqui?" - perguntei, deixando transparecer uma certa indignação.

"E por que você acha que eu gostaria de sair daqui?" - todo o corpo do gato havia desaparecido, exceto a cabeça e o sorriso. A impressão que eu tenho é que ele gostava de fazer isso, apenas para deixar desconfortável a pessoa com a qual dialogava.

"Porque este lugar é terrível. Eu odeio estar aqui. Creio que você também deve sentir o mesmo."

"Se você parar pra pensar, este é um ótimo lugar para se estar. Você só o odeia porque foi forçada a estar aqui. Caso contrário, estaria satisfeita, brincando por aí."

"Mas... minhas memórias, minha família, meus amigos... eu quero tudo isso de volta."

"Ha ha ha! Quanto tempo já faz? Dois anos? Você realmente acredita que ainda tem alguém esperando por você?" - disse o gato, enquanto ronronava, sentindo que havia dado o xeque-mate.

"Isso foi desnecessário, gato. E você só diz uma coisa dessas porque tem a companhia dos seus aqui mesmo. Eu não pertenço a esse lugar."

"Creio que você está enganada duplamente, criança. Pra começar, talvez você pertença a este mundo. E, além disso, eu não me importo com ninguém que está aqui." - o gato respondeu, um pouco decepcionado por ainda não ter vencido a discussão.

"E por que não?" - perguntei sem saber se gostaria de ouvir a resposta.

"Porque são todos insanos. Ninguém sabe do que está falando. E isso inclui a mim e a você."

"Eu discordo. Acho que você é o único neste lugar que sabe exatamente o que está falando. E também acho que, de alguma forma, você está ligado a todas as bizarrices que eu vejo acontecer por aqui."

E foi ali que aconteceu, por um milionésimo de segundo. Pode ser coisa da minha cabeça, mas eu acredito que realmente vi. O sorriso do gato desapareceu. Por um instante mínimo, acho que o vi sério... Mas logo depois, como de costume, o velho sorriso voltou. Depois de uma pausa, o gato resolveu encerrar a conversa.

"E eu acho que você não sabe absolutamente nada sobre as coisas que você vê acontecer por aqui." - disse, subiu de volta na árvore, e desapareceu completamente num segundo.

"Acho que concordamos pela primeira vez hoje, gato. De fato eu não tenho nem ideia." - disse para o nada e voltei a caminhar pela floresta.

3 comentários:

  1. Excelente texto Netto!! Assim como tantos outros, parabéns pela sensibilidade...

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  2. Ia deixar um comentário bem feio, mas não consigo. Adoro tudo que vocês escreve e gostei ainda mais da idéia do blog. Parabéns!

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  3. Que diferença faz em qual mundo estamos?

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