sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Combustão

Alice não havia seguido o conselho. Nem o meu, nem o da lagarta. Ela não deixaria esse mundo por nada. Nem mesmo agora, enquanto calmamente observava tudo queimar. Acreditava que ainda podia salvar tudo e todos. Só não sabia como. De repente, olhou para o lado e viu uma coisa estranha. De seus ombros saíam grossos fios. Ao passar a mão atrás de sua cabeça, viu que ali também encontravam-se outros fios. Tentou se desvencilhar inutilmente. Apesar de sentir que alguns deles estavam no limite de suas extensões (enquanto outros se encontravam estranhamente frouxos), não andou além. Primeiro, tinha a certeza de que aquele fio não iria arrebentar. E, em segundo lugar, se saísse dali, jamais poderia retornar. Então resolveu seguir aqueles fios de volta para ver o que a prendia ali. Mais rápido do que ela esperava, o número de fios começou a aumentar, se ligando a praticamente todas as coisas que via. Quanto mais andava, mais fios apareciam. Finalmente, viu uma silhueta. Todos os fios vinham de suas mãos. Os olhos amarelos brilhavam e eram a única coisa nítida que se podia ver. Alice continuou a se aproximar, mas ao invés de se revelar, a silhueta continuava negra, enquanto os olhos brilhavam cada vez com mais intensidade. Parou a menos de um metro da silhueta.

“Quem é você?”

“Você realmente não sabe, Alice? Estamos juntos desde seu nascimento. Antes disso até. Estive em todos os lugares que você foi. No seu mundo e aqui também.”

Como Alice estava confusa demais para retrucar qualquer coisa, o titereiro continuou:

“Como você pode ver, tudo se liga a mim. Esses fios unem a ponta dos meus dedos a cada ser vivo nesse planeta. Saudáveis ou doentes, alegres ou tristes, para o bem ou para o mal. Quase nada escapa dos meus fios. Em alguns casos, meus laços são tênues tais como uma frágil linha de costura; às vezes são mais fortes que o aço. Sou mais antigo que todos os mundos, mais antigo que o próprio deus que os criou. Eu sou eterno. Sempre estive aqui e daqui nunca sairei. Aquele que afirma que estou morto, não sabe mais o que diz. Justamente por ter se desvencilhado de mim.”

Alice agora estava entendendo menos ainda, e resolveu continuar em silêncio. O titereiro levantou sua mão esquerda, e logo depois, a direita. Ambos os movimentos provocaram uma sensação estranha em Alice.

“Se movo minha mão esquerda, você olhará pra trás, se movo minha mão direita, acontecerá o inverso. Contudo, tanto eu como você temos igual controle sobre os laços que nos unem. Qualquer um capaz de equilibrar perfeitamente a força de todos os meus fios ganhará um presente. Entretanto, esse é um desafio que requer esforço constante. Por isso mesmo, pouquíssimos obtêm êxito. Do mesmo jeito que dou, posso tirar.”

Alice provavelmente continuou na mesma. Olhou para as linhas que uniam os dois por um tempo. Finalmente, resolveu arriscar:

“Então por que você não me deixa sair daqui?”

“Eu não estou impedindo nada. Sair daqui ou não depende exclusivamente de você, Alice.”

“Mas eu vi! O fio estava no limite. Eu sabia que eles não iriam arrebentar. Portanto, estaria presa aqui de qualquer maneira.”

“Observe agora, Alice. As linhas continuam em seu limite. E você andou dez minutos para chegar até mim. Elas não deveriam estar frouxas?”

Alice estava menos confusa, mas ainda não era capaz de entender muita coisa. O titereiro pegou um pouco de ar, e depois voltou a falar, com o intuito de concluir seu raciocínio:

“Meus fios têm o comprimento que sua força de vontade permitir. Se você pudesse apenas se livrar do peso morto que carrega... Mas você escolheu ficar. Num lugar ao qual nunca pertenceu. Observe.”

O titereiro mostrou novamente as mãos. Quando Alice percebeu que apenas as linhas da mão esquerda que os ligavam estavam tensionadas, finalmente compreendeu. Sentou-se calmamente no chão. Foi a última coisa que eu vi. Depois disso, as chamas ficaram altas demais e as silhuetas de Alice e do titereiro desapareceram.

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